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O Theatro São Pedro no início do século XX.

“Mais uma magnífica casa de espetáculos S. Paulo conta desde ontem: o Theatro S. Pedro, construído à rua Barra Funda, esquina da rua Albuquerque Lins pelos srs. Lopes & David, proprietários do cinema Barra Funda, que lhe fica em frente”. Assim o jornal O Estado de São Paulo noticiava a inauguração, em 15 de janeiro de 1917, do “belíssimo” Theatro São Pedro, com espetáculo oferecido “à imprensa e convidados”. Porém, o São Pedro já nasceu enfrentando desafios: “Por não ter chegado a tempo todo o mobiliário, encomendado nos Estados Unidos, inclusive as cadeiras da plateia, a inauguração fez-se com mobiliário comprado à última hora…”, informava a matéria. Mas os desafios desse início não terminariam por aí. Teatro e cinema, a inauguração para o público ocorreria no dia 16. Contudo, o mesmo jornal noticiava, no dia 17, que o teatro não havia conseguido o alvará e que, portanto, a abertura ao público havia sido adiada. Finalmente no dia 20 de janeiro de 1917 o São Pedro foi aberto ao público com a exibição de dois filmes: A Moreninha e O Escravo de Lucifer.

O livro Theatro São Pedro: Resistência e Preservação, editado pela Associação de Amigos do Arquivo do Estado (AAAE) na época da reabertura do São Pedro, transcreve depoimento de Angelo Catapano, antigo morador da Barra Funda e frequentador do cineteatro entre as décadas de 1920 e 1940. Catapano conta que o São Pedro se destacava dos cinemas da época por ter tido um projeto adequado para ser um teatro. Segundo ele:

“As sessões eram muito cheias, especialmente nas sextas-feiras. (…) A programação era muito variada, misturava um pouco de cinema, teatro ou apresentação de algum cantor. Às vezes era só teatro durante dois meses, às vezes só cinema, só operetas. As operetas eram bonitas. Vinham companhias napolitanas e outras famosas como a de Lea Candini. (…)

Quem frequentava o São Pedro era o pessoal aqui do bairro mesmo. Oitenta por cento deles eram italianos. O pessoal do bairro — esse bairro é muito antigo — era de classe média para baixa. As famílias frequentavam e se misturavam com a moçada porque o São Pedro não era de elite.”

Além de teatro, cinema e opereta, a ópera também fez parte da programação do São Pedro desde os seus primeiros meses. Em março de 1917, O Estado de S.Paulo noticia a apresentação, entre os dias 26 e 29, das óperas Cavalleria Rusticana, Pagliacci, La Bohème, Carmen e La Gioconda pela companhia lírica italiana Rotoli e Billoro.  Na nota, o jornal observa a qualidade da acústica do local, “que o coloca entre os melhores teatros da capital” (O Estado de São Paulo, 27 de março de 1917, pág. 2). Em 1928, além de repetir a dobradinha Cavalleria e Pagliacci, entre os dias 13 e 19 de fevereiro também foram apresentadas, pela Companhia Lírica Italo-Brasileira de Carmen Eiras e Reis e Silva, La Traviata, Rigoletto e Tosca. No ano seguinte, ao lado de Il Trovatore, as óperas La Traviata, Rigoletto e La Bohème voltaram, entre os dias 8 e 11 de fevereiro, dessa vez com a Companhia Lírica Italiana de Arturo de Angelis (http://www.memoriadamusica.com.br).

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O interior do Theatro São Pedro.

Em 1941 o São Pedro passou para a empresa cinematográfica Serrador e tornou-se exclusivamente cinema. Isso até 1967, quando teve início uma importante fase: foi arrendado por Fernando Torres, Fernanda Montenegro, Beatriz e Maurício Segall, impedindo que o teatro fosse demolido, como ocorreu, mais cedo ou mais tarde, com os seus contemporâneos. Após passar por uma reforma de restauração e recuperação, em 29 de outubro de 1968, em plena ditadura do governo Costa e Silva, pouco mais de um mês antes da publicação do famigerado AI-5, o teatro estava pronto para ser reinaugurado com o recital do pianista brasileiro Jacques Klein que, porém, poucas horas antes resolveu cancelar alegando problemas de saúde. O motivo real, porém, era que ele iria acompanhar a apresentação de um aluno, naquela noite, em um concurso. Maurício Segall conta, no livro  da AAAE, citado acima, que “a ideia toda era uma casa de cultura, não era só o teatro em si”. E assim optaram por abrir a programação com música. “Estávamos na ditadura”, lembra Segall, “e eu era militante contra a ditadura. E na minha cabeça sempre estava: para que serve o teatro? Como filho do [Lasar] Segall, também havia a dúvida: para que servem os quadros do Segall? Saber qual a função da arte”. E a música estava incluída nesse contexto.

Desse dia em diante, desfilaram pelo palco do São Pedro peças e musicais que fizeram história, como: Marta Saré, de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo, Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto e Chico Buarque, Um Inimigo do Povo, de Ibsen, Hair, Macunaima, A Ópera do Malandro, de Chico Buarque e Calabar, de Chico Buarque e Rui Guerra (que estreou no São Pedro em 1980 após 7 anos de censura). Foi aberta até uma sala menor, com 200 lugares, no espaço do terceiro balcão e do foyer: o Studio São Pedro.

Em matéria de O Estado de São Paulo de 24 de março de 1998, Beatriz Segall lembra que ouviu a leitura do AI-5 no palco do São Pedro, durante as encenações de Marta Saré. Ela lembra que “a televisão estava fechada, a imprensa escrita estava fechada e o teatro ainda encontrava os meios para driblar a censura (…). Tínhamos grandes problemas com a censura, mas, como a censura era burra, nós conseguíamos encenar um teatro de resistência”.

No campo da música, em seu palco pisaram nomes de brasileiros de peso nessa época: Isaac Karabtchevsky, João Carlos Martins, José Eduardo Martins, Gilberto Tinetti, Caio Pagano, Diogo Pacheco, etc. A partir de outubro de 1973, o teatro passou a ser ocupado pela Orquestra Sinfônica Estadual (que viria a se tornar a OSESP), na época dirigida por Eleazar de Carvalho.

Na década de 1980 o São Pedro começou a enfrentar dificuldades financeiras. Antes de passar um período fechado, porém, foi apresentada aquela que viria a se tornar o marco inicial da vida do São Pedro como casa de ópera: Gianni Schicchi, de Puccini, com o Teatro Lírico de Equipe. No fosso, Abel Rocha regia “um grupo de jovens músicos que concordou em tocar sem cachê, já que não havia nenhum dinheiro disponível”, conta o maestro Luiz Fernando Malheiro no site do Theatro São Pedro. Em 1984 o teatro foi tombado e posteriormente, em 1987, passou para a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. O São Pedro precisou esperar uma década para que tivessem início as obras de restauração, em 1997, durante a gestão de Mário Covas. Um ano depois, em 24 de março de 1998, a obra foi concluída.

Foi a ópera La Cenerentola, de Gioacchino Rossini, com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), em pleno início de reestruturação, sob a direção do maestro John Neschling, que inaugurou a nova fase do São Pedro. Se no fosso estava uma orquestra em busca de sua sonoridade, de reconhecimento e qualidade, no palco estavam jovens cantores em busca de uma carreira, como os italianos Francesca Provvisionato e Fábio Previati, e o brasileiro Fernando Portari, todos na casa dos 30 anos.

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Foto do programa da ópera La Cenerentola (1998).

Por pouco mais de um ano, até a inauguração da Sala São Paulo em 9 de julho de 1999, foi no histórico teatro da Barra Funda que a Osesp ensaiou e se apresentou. Foi lá que o público paulista testemunhou a reestruturação e o ressurgimento de sua orquestra. Foi lá que os amantes de música adquiriram o hábito de ver a Osesp semanalmente.

Gradativamente a ópera passou a tomar conta do palco do São Pedro. Entre a reabertura e 2004, ano em que a Associação Paulista de Amigos da Arte (APAA) passou a administrar o teatro e a programar sistematicamente uma temporada, foram apresentados 16 títulos. Diversas companhias brasileiras montavam óperas no São Pedro, como o Núcleo de Música Antiga da ECA-USP, a Cia. Ópera São Paulo e o Núcleo Universitário de Ópera da UNESP. Em julho de 2006, a ópera L’Elisir d’Amore, de Gaetano Donizetti, marcou o ingresso de Orquestra Jovem Municipal de Guarulhos, sob a batuta do maestro Emiliano Patarra, no ramo da ópera. E foi esse grupo que, até a criação da Orquestra do Theatro São Pedro, esteve no fosse durante a maioria das óperas produzidas na casa.

Em 2010 teve início uma nova fase do São Pedro. A APAA contratou o maestro Roberto Duarte para criar a Orquestra do Theatro São Pedro (Orthesp), da qual ele seria o diretor artístico e Emiliano Patarra, regente titular. Após processo seletivo, em 10 de junho a nova orquestra, sob a regência de Roberto Duarte subia ao palco do São Pedro para tocar trechos de óperas de Carlos Gomes. No mês seguinte, participou de sua primeira ópera, Rigoletto, de Verdi, com regência de Roberto Duarte e concepção cênica de Livia Sabag. No mesmo ano ainda vieram Don Pasquale, de Donizetti, Norma, de Bellini, e A Viúva Alegre,  opereta de Franz Lehár. Desse início até os dias de hoje, pudemos acompanhar com satisfação o desenvolvimento artístico da Orthesp, que após ter sido regida por Roberto Duarte e Emiliano Patarra, agora está sob os cuidados do maestro Luiz Fernando Malheiro.

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Mas não basta, para um teatro de ópera, ter uma orquestra: é preciso também ter um elenco estável. Foi, portanto, criada, em 2013, a Academia do Theatro São Pedro, para formar e educar jovens cantores. Com esse projeto, cantores selecionados foram preparados para participar da programação do São Pedro e se tornar parte do elenco do teatro. Atividades educacionais e artísticas foram integradas. Além de participar das óperas, os membros da Academia têm se apresentado em concertos anuais, sempre de muito boa qualidade e recebidos com entusiasmo pelo público.

A diversidade de títulos tem sido uma importante característica das temporadas de ópera do Theatro São Pedro. Ao lado do repertório tradicional estão sempre presentes, e não em pequena proporção, títulos internacionais pouco ou nunca executados no Brasil e também óperas ou operetas de compositores brasileiros. Logo em 1998, a Osesp apresentou, em forma de concerto, Jupyra, ópera de Antônio Francisco Braga, sob a regência de John Neschling. Foi só o começo. A partir de 2000, quando a Osesp já havia se mudado, diversos títulos nacionais passaram pelo São Pedro: Domitila, A Marquesa de Santos, de câmara de João Guilherme Ripper (2000); Pedro Malazarte,  de Camargo Guarnieri com libreto de Mário de Andrade (2000); as operetas A Noiva do Condutor, de Noel Rosa (2001) e  Forrobodó, de Chiquinha Gonzaga (2004); Salvator Rosa, de Carlos Gomes (2005); O Caixeiro da Taverna, do carioca Guilherme Bernstein (2006); O Garatuja, terceira ópera de Ernst Mahle, baseada na obra homônima de José de Alencar (2006); A Tempestade, encomendada a Ronaldo Miranda pela Banda Sinfônica do Estado de São Paulo (2006); Colombo, Il Guarany e Joana de Flandres (apresentada em forma de concerto), de Carlos Gomes, entre 2010 e 2013; Artemis, de Alberto Nepomuceno (2014); O Menino e a Liberdade, de Ronaldo Miranda; Poranduba, de Edmundo Villani-Côrtes (2015); O Homem dos Crocodilos, de Arrigo Barnabé (2016).

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Pedro Malazarte, de Camargo Guarnieri. Concepção cênica de Walter Neiva (2000).

No repertório internacional, além de títulos mais populares como La Bohème, Tosca e Gianni Schicchi, de Puccini, La Traviata e Rigoletto, de Verdi, Il Barbiere di Siviglia e La Cenerentola, de Rossini, L’Elisir d’Amore e Don Pasquale, de Donizetti, também apareceram Brundibár, composta pelo músico tcheco Hans Krása em 1938; Il Mondo della Luna, ópera bufa de Joseph Haydn com libreto de Carlo Goldoni;  L’oca del Cairo, que Mozart deixou incompleta; A Dinner Engagement, ópera cômica composta por Lennox Berkeley em 1954; Il Barbiere di Siviglia de Paisiello; Don Quichotte, de Massenet; Der Zwerg, de Alexander von Zemlinsky, representante da Viena de fin-de-siècle. A ópera inglesa do fim do século XIX e início do XX também teve esteve presente nesses anos de ópera do São Pedro, através de composições de Benjamin Britten e da dupla especializada em obras cômicas W. S. Gilbert e Arthur Sullivan.

Além das óperas, o São Pedro também tem recebido nomes consagrados do canto lírico em recitais. Nesse sentido, o ciclo Grandes Vozes, idealizado e coordenado por Paulo Abrão Esper, foi emblemático. A essa série de recitais se seguiu a série chamada Concertos Internacionais, onde os cantores passaram a ser acompanhados pela Orthesp. Graças a esses projetos já pisaram no palco do São Pedro cantores como Mariella Devia, Renato Bruson, Elena Obraztsova, Yevgeny Nesterenko, Fedora Barbieri, Carlo Colombara, Juan Pons, Giovanna Casolla, Dimitra Theodossiu e até a imensa Fiorenza Cossotto. E sempre dividindo a cena com algum nome do canto lírico brasileiro. Além de fazer a alegria do público nos recitais, boa parte das atrações internacionais também deixam suas marcas no desenvolvimento dos cantores líricos brasileiros ministrando masterclasses.

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A mezzo soprano Fiorenza Cossotto e a pianista Karin Uzun em recital no Theatro São Pedro. Série Grandes Vozes (outubro de 2006).

Dentre os cantores brasileiros, não deve haver um com projeção nacional ou até internacional que não tenha participado de alguma ópera ou recital no São Pedro. Paulo Szot, Fernando Portari, Atalla Ayan, Licio Bruno, Richard Bauer, Rodrigo Esteves, Leonardo Neiva, Marcelo Vannucci, Gabriella Pace, Adriane Queiroz, Rosana Lamosa, Adriana Clis, Denise de Freitas, Lina Mendes, Edna e Edneia de Oliveira, Camila Titinger, Daniella Carvalho, Luisa Francesconi, Manuela Freua, Eliane Coelho, Niza Tank… e tantos outros, se não iniciaram a carreira no São Pedro, lá cantaram ou ainda haverão de cantar.

O Concurso Brasileiro de Canto ‘Maria Callas’, que neste ano de 2017 terá sua 15ª edição, também tem sido uma marca do estímulo à formação e à promoção de novos cantores. Dirigido por Paulo Esper, o ‘Maria Callas’ tem conquistado a simpatia do público amante de ópera. Além do concurso em si, o evento tem os atrativos de que sempre vem algum cantor internacionalmente consagrado para participar do jurado e de um recital, caso ainda esteja em atividade. É um momento especial de convívio e contato entre várias gerações da artistas — e entre esses artistas e a plateia. Alguns meses após a final, é montada uma ópera com os vencedores. No ano passado foi La Bohème, de Puccini. Neste ano, a promessa é La Traviata, de Verdi.

Ao longo desses anos, o Theatro São Pedro, com seus vários projetos artísticos, têm atraído e cativado o público. Cem anos depois de sua criação, o São Pedro continua ali, na esquina das ruas Barra Funda e Albuquerque Lins, mas deixou de ser um teatro de bairro e passou a ser a casa de ópera do Estado de São Paulo. Deixou de ser frequentado apenas pelo “pessoal do bairro” e passou a atrair amantes de música não só da cidade de São Paulo, mas também de cidades próximas. Um público cativo, recebido de forma calorosa e descontraída pela administração do teatro e pelos artistas, sente-se em casa e lota quase todos os espetáculos lá apresentados. Como há cem anos, o São Pedro continua não sendo um teatro de elite.

Do ponto de vista artístico, talvez o atual projeto do São Pedro tenha atingido seu apogeu entre o fim de 2015 e o começo de 2016. Em dezembro de 2015, Oedipus Rex, obra prima de Igor Stravinsky e Jean Cocteau, com direções artística e musical de Caetano Vilela e Luiz Fernando Malheiro respectivamente, encerrou a temporada 2015 em grande estilo, prometendo uma temporada promissora para o ano seguinte. E 2016 começou bem mesmo, as melhores expectativas pareciam estar se confirmando. A ópera Don Quichotte, de Jules Massenet, com Malheiro no fosso, Jorge Takla na direção cênica e o baixo Gregory Reinhart no papel título, abriu a temporada de forma brilhantes. Sucesso de público e crítica, mereceu o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor espetáculo de ópera do ano.

Don Quichotte no Theatro São Pedro (março de 2016)

Se o ano começou muito bem, terminou, infelizmente, aos trancos e barrancos. Embora o São Pedro tenha apresentado títulos interessantes e sempre com boa qualidade artística, seu orçamento foi drasticamente reduzido. Sua direção foi obrigada a cortar os gastos com as produções e a cancelar dois títulos da temporada. A Orthesp foi (e ainda está) ameaçada de extinção, há o risco real de que todo o projeto venha a ser perdido — um projeto tão bem cuidado, tão bem sucedido, no qual foi investido dinheiro público e muito trabalho de todos os envolvidos no processo. Como sempre no Brasil, onde o importante é a novidade e não a manutenção e amadurecimento do que já foi construído, soou quase natural a ideia de que a crise é boa justificativa para que se coloque tudo a perder. 

Desde 2012 o Instituto Pensarte, uma Organização Social (OS) cultural, administra o Theatro São Pedro e seus corpos estáveis, bem como a Banda Sinfônica e a Orquestra Jazz Sinfônica. Segundo o portal Transparência Cultural de São Paulo, porém, o contrato com a OS deve ser interrompido em 30 de abril de 2017. Desse modo, não pode ser feita a programação de uma temporada para o ano inteiro. E ainda não há notícias quanto à OS que irá suceder o Pensarte, que, aliás, enfrenta sérias dificuldades financeiras.

Segundo artigo de Nelson Rubens Kunze no site da Revista Concerto, o Governo do Estado de SP prevê para 2017 um repasse de R$22,4 milhões para a OS contra R$34,2 milhões em 2014 [Segundo informações atualizadas, em 25/01/2017, o repasse caiu para apenas R$15 milhões anuais.]. Em termos absolutos, o valor de 2017 é menor que os R$23,6 milhões repassados em 2012. “Em termos reais”, calcula Kunze, “quando os valores são corrigidos pela inflação, os cortes chegam a atingir 45%” do repasse de 2014. Ele continua: “Não há crise que justifique essa verdadeira amputação das OSs! (Apenas para lembrar, em 2015 a queda do PIB foi de 3,8%; e a arrecadação do Estado de São Paulo teve queda real de cerca de 5%) [Recentemente o governo do Estado de São Paulo anunciou um superávit de R$ 1,5 bilhão em 2016]“. Para que se tenha uma ideia da ordem de grandeza, o valor repassado pelo governo estadual ao Pensarte em 2015, R$30 milhões, é pouco menos da metade do montante gasto no mesmo ano pelos órgãos governamentais em Brasília com o cafezinho: R$ 61 milhões, segundo o Contas Abertas.

Para o orçamento do Estado de São Paulo, a cultura representa muito pouco. Segundo Nelzon Kunze em artigo recente, “o orçamento estadual, que em 2014 reservava já míseros 0,57% à pasta da cultura (R$ 929 milhões), reduziu a dotação para 0,40% (R$ 826 milhões) em 2016. E para 2017, a lei orçamentária enviada para o legislativo destina ainda menos, 0,37% (R$ 762 milhões)! Estamos assistindo a uma queda livre do porcentual da Cultura no orçamento global do governo.” O autor lembra, ainda, que o ONU recomendava um investimento em cultura de no mínimo 1% do PIB e, recentemente, dobrou o valor para 2%.

É assustador constatar que em nossa sociedade brasileira ainda haja a necessidade de se argumentar quanto à importância da cultura, da arte, da reflexão. A explosão da violência, a crise nos presídios que nos está expondo no noticiário internacional como uma sociedade bárbara — uma das mais violentas do mundo, segundo noticiário de rádio da BBC –, deveria falar por si só sobre a urgência da mudança de mentalidade. No entanto, o governo coloca a cultura como algo supérfluo e os cidadãos ainda não adquiriram o hábito de contribuir financeiramente com entidades culturais.  O que estamos buscando enquanto sociedade? 

Na década de 1990, em tempos de crise, com os bancos estaduais quebrados e as contas do Estado de São Paulo assoladas pela corrupção, o então governador Mário Covas, que não era homem ligado à música clássica e muito menos à ópera, soube conter gastos e, ao mesmo tempo, investir na humanização da sociedade. Fez a reestruturação da Osesp, a Sala São Paulo, a Pinacoteca, a reforma do Theatro São Pedro — sem contar outros projetos, em outras áreas –, aliando o fomento à cultura com a utilização e recuperação de áreas degradadas da cidade.

O centenário do Theatro São Pedro, em 15 de janeiro, passou em brancas nuvens: com a orquestra de férias, não houve nenhum concerto para comemorar a data. Também não apareceu sequer uma nota no site do teatro, que mal sabe qual será seu futuro. Esse não é o maior problema: uma temporada bem feita é melhor celebração que cinco minutos de fogos de artifício e muitas cores no site. O que é, pois, uma pena, é que o teatro até já fez os cem anos e ainda não teve condições de anunciar a temporada que marca a efeméride.

Durante a pesquisa em acervos de jornais a fim de elaborar esse texto, uma imagem chamou-me a atenção. Em 2003, surgiu a notícia de que um sobrado vizinho ao São Pedro seria demolido e substituído por um prédio, o que ameaçaria a estrutura do antigo teatro. O resultado foi a mobilização da sociedade e um abraço simbólico no prédio — que deu a volta em todo o quarteirão. Hoje, como naquele dia, esse querido teatro, agora centenário, juntamente com sua jovem orquestra, sua academia e seus cantores, precisa da atenção, do carinho, da contribuição… enfim, do abraço de todos nós.

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O Estado de São Paulo, 02/12/2003.

Agradeço muito ao amigo e mestre Sergio Casoy pelas informações fornecidas.