En español (blog Una Voce Poco Fa).

En español (Pro Ópera).

Tudo começou em 1983, seis anos após a morte de Maria Callas, quando Paulo Abrão Esper, idealizador e diretor do Concurso Brasileiro de Canto Maria Callas, comprou sua primeira ópera completa em LP. Era Lucia di Lammermoor, de Donizetti, com Callas no papel título. “Logo que comecei a escutar os discos, me deixei transportar pela voz de Callas, forte e com uma dramaticidade interpretativa intensa”, conta Esper. “Desde sua primeira ária fiquei fascinado, atônito, como se estivesse assistindo a um filme com uma carga dramática muito forte, daqueles de tirar o sono. A tentativa de a imaginar no palco me fascinou.” Apenas dez anos mais tarde, em 1993, nascia o concurso brasileiro de canto que leva o nome da grande diva grega.

No início, o concurso Maria Callas era realizado a cada dois anos, mas a partir de 2013 passou a ser anual, de modo que em 2022 chegou ao marco de vinte edições. Durante esses anos, passaram pelo júri grandes nomes do canto lírico como Magda Olivero, Fedora Barbieri, Luigi Alva, Katia Ricciarelli, Ernesto Palacio, Chris Merritt, Sophie Koch…

Neste ano, foi a vez da simpática e destacada mezzo-soprano argentina Cecilia Díaz, uma cantora versátil cujo repertório como solista em importantes teatros vai do barroco italiano de L’Incoronazione di Poppea, de Monteverdi, onde interpretou Nero, ao romantismo francês da sedutora Dalila, de Samson et Dalila, de Saint-Saëns, passando pelo bel canto belliniano, por Verdi e Wagner. 

Algumas das mais importantes revistas internacionais do mundo da ópera também se fazem representar na banca de jurados. Nesta vigésima edição, estavam presentes a revista espanhola Ópera Actual através de Fernando Sans Rivière, a italiana L’Opera, na pessoa de Sabino Lenoci, seu editor e fundador, e a brasileira Concerto através de Jorge Coli. A mim coube a honra de participar como correspondente da Pro-Ópera (México).

Além de Cecilia Díaz e dos representantes das revistas, o júri, presidido pelo maestro Luiz Fernando Malheiro, ainda contou com Carlos Rauscher, Robson Tirotti e José Velasco, o empresário artístico espanhol sempre ávido por descobrir jovens com talento.

Jovens com talento. São justamente eles a razão de ser do concurso Maria Callas. É a eles que Paulo Esper dedica sua vida, por eles faz o possível e o impossível, contando com poucos recursos e imensurável amor. Além do concurso, Esper, diretor artístico da Cia Ópera São Paulo, está constantemente promovendo eventos e, com certa frequência, realiza masterclasses com grandes nomes da cena lírica. Um desses masterclasses ocorreu em 2019, tendo como mestra a soprano Verónica Villarroel. Após ter trabalhado por uma semana com jovens brasileiros, Villarroel me garantiu, com sincero ar de felicidade, que eu podia me orgulhar, pois havia muitos jovens talentosos no Brasil.

Sem dúvida senti orgulho, pois além de talentosos, esses cantores são verdadeiros guerreiros. Cultivam seus talentos apesar de poucos recursos, do descaso generalizado com sua arte, de poucas oportunidades, poucos professores, poucos pianistas acompanhadores, cuja carreira sequer existe no Brasil. Além disso, eles têm de conviver com a opção política de isolamento internacional praticada pelos poucos teatros de ópera em atividade no país. Se à primeira vista isso parece valorizar os cantores nacionais e dar-lhes maior chance de subir ao palco, na verdade essa prática os isola do mundo, os priva do contato com nomes que frequentam a cena internacional, faz com que se sintam astros e estrelas dentro de uma bolha, em um mundo que está fora do mundo. Como resultado disso tudo e, claro, também dos dois anos de pandemia, foi notória a queda de nível generalizada dos candidatos brasileiros. Os talentos não desapareceram e ainda temos motivos para sentir orgulho, mas boa parte deles está padecendo sob o peso de tantas dificuldades. Nesse contexto, torna-se cada vez mais importante o trabalho heroico de Paulo Esper.

Paulo Esper apresenta os vencedores durante o recital de encerramento (Jacareí, SP).

Também os mexicanos podem se orgulhar: como há jovens talentosos no México! Parte deles veio ao Brasil para participar do Concurso Maria Callas e voltou para casa com os primeiros prêmios. Dentre as mulheres, a grande vencedora foi a soprano mexicana Fernanda Allande. Dona de poderosa voz e agudos precisos e bem sustentados, aos 24 anos já é uma cantora praticamente pronta. Também o segundo prêmio feminino ficou com o México: a mezzo-soprano Itzeli Jáuregui (28 anos), que alia graves poderosos a uma marcante dramaticidade. Multinacional, o terceiro prêmio foi dividido entre a soprano argentina Candela Gotelli (24 anos), sempre em busca de construir cenicamente suas personagens, e a mezzo brasileira Julia Martins Solomon, que aos 25 anos conseguiu interpretar Mozart com a transparência e a sutiliza que o compositor demanda.

Também na ala masculina o México levou o primeiro prêmio através de Carlos Arámbula, barítono de trinta anos, um cantor maduro e com voz bem-acabada. Em seguida veio o tenor brasileiro Guilherme Moreira (26 anos), dono de invejável timbre. Em terceiro lugar outro brasileiro: o musical barítono Isaque Oliveira, de trinta anos.   

Dentre os que não foram premiados, não poderia deixar de citar a mais jovem de todos: a soprano mexicana Alejandra Borrego, de apenas 19 anos. Embora não tenha entrado na lista dos vencedores, Alejandra chegou à final, o que não é pouco para uma cantora de sua idade. Sem dúvida ela ainda tem um longo caminho de estudo a percorrer, mas se persistir com a garra e vontade de aprender que demonstrou durante esses dias, e com a compenetração com que interpretou cada ária, é séria candidata a uma bela carreira. 

Neste ano mais de cem jovens latino-americanos se inscreveram no concurso. Desses, 43 foram selecionados para a fase semifinal, realizada em São Paulo nos dias 28 e 29 de março, e 16 seguiram para a final, que ocorreu no dia 31 em Jacareí, a acolhedora cidade de Paulo Esper. Dos finalistas, além dos sete acima citados, escolhidos pelos jurados, outros tantos receberam prêmios específicos que lhes renderão apresentações em óperas e recitais. Cada candidato enviou uma lista com seis árias. Chamou-me a atenção a preferência por Mozart e Puccini e a quase ausência de Verdi. Se é verdade que Verdi não é para todas as vozes, também é verdade que Mozart está longe de ser fácil: ao contrário, é um compositor que escancara todos os eventuais defeitos do intérprete.

Foi a minha primeira vez como membro do júri em um concurso presencial. Já havia participado da edição de 2020 que, em função da pandemia, foi totalmente virtual. A tarefa de escolher não foi fácil e a responsabilidade, enorme. A arte do canto não é ciência exata, cada cantor é um ser humano com diversos talentos e carências. Há os mais diferentes estilos e qualidades, e é preciso selecionar, é preciso escolher. Por outro lado, a tarefa torna-se extremamente gratificante graças à alegria dos vencedores e ao envolvimento e dedicação de todos os finalistas.   

Durante esses dias, as atividades do concurso não ficaram restritas às audições. Nos dias 27 e 28 de março, ocorreram o concerto de abertura, com a presença da Orquestra Sinfônica de Santo André sob a regência de Abel Rocha, seu maestro titular, e a conferência de Sabino Lenoci sobre a ópera no Scala de Milão, ilustrada por um recital. Em ambos os eventos, apresentaram-se vencedores de edições anteriores do concurso: as sopranos Maria Sole Gallevi e Raquel Paulin, a mezzo-soprano Andreia Souza, os tenores Lucas Melo e Daniel Umbelino e o barítono Rodolfo Giugliani. Como um cantor nunca pode deixar de cuidar de sua mente, também foi oferecida a conferência sobre ópera e saúde mental, proferida pelos psiquiatras Andres Santos e José Paulo Fiks, dois amantes de ópera e promotores de saraus com vencedores do concurso. Além disso, os jovens cantores tiveram duas oportunidades de participar de masterclasses com a mezzo-soprano Cecilia Díaz, que os ouviu e instruiu de forma generosa e acolhedora. Finalmente, como não podia deixar de ser, para comemorar a marca de vinte edições, Paulo Esper organizou uma exposição, em Jacareí, onde exibiu parte de seu tesouro: uma coleção de discos, fotos e livros em torno de Maria Callas, sua musa, bem como matérias sobre o concurso.

Em Jacareí, a exposição sobre Maria Callas e o concurso que leva seu nome.

Como disse Cecilia Díaz em uma de suas masterclasses, ao vencer o concurso o cantor apenas passa por uma porta, mas há muitas coisas envolvidas na construção de uma carreira. Desejo, sinceramente, que todos esses jovens consigam cultivar sua arte, que sejam instruídos por bons professores e encontrem palcos sérios para dar vida a tantos personagens fascinantes, dos quais tivemos pequenas amostras. Nesses duros tempos que estamos vivendo, a arte é tanto mais necessária quanto menos valorizada. Que tenham garra para persistir e boa sorte. Sucesso!

Os vídeos da final do concurso e do recital dos vencedores podem ser vistos no Facebook, na página da Cia Ópera São Paulo: https://www.facebook.com/COSPOficial .     

Daniel Umbelino, Andreia Souza, Raquel Paulin e Rodolfo Giugliani, vencedores de edições anteriores, no concerto de abertura do 20° Concurso Brasileiro de Canto Maria Callas, com a Orquestra Sinfônica de Santo André e o maestro Abel Rocha (Teatro Sérgio Cardoso, São Paulo)

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