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Um primor. Assim pode ser definido o recente lançamento da ópera Il Pirata, de Vincenzo Bellini, pelo selo Prima Classic, da prima donna Marina Rebeka. É um primor desde o encarte até a gravação. O encarte, cuidadosamente elaborado, traz o precioso ensaio de Domenico De Meo, um especialista em Bellini, e o libreto da ópera completo, com a indicação das partes que não foram incorporadas à partitura, e a narração dos acontecimentos anteriores, cujo conhecimento é indispensável para a compreensão da trama.* A gravação conta com cantores de altíssimo nível e vozes adequadas a seus respectivos papeis, coro e orquestra sincronizadíssimos e som cristalino. Como bom documento histórico, a ópera foi gravada em sua íntegra, com todas as repetições indicadas na partitura (o que, felizmente, vem se tornando a regra) e com o finaletto, normalmente omitido.

Il Pirata é, hoje em dia, uma ópera pouco encenada. Uma pena, pois além de uma pérola do bel canto, tem considerável importância histórica: foi a primeira ópera de Bellini a estrear no Teatro alla Scala (em outubro de 1827), o primeiro sucesso internacional de Bellini, o primeiro fruto da parceria entre Bellini e Felice Romani (que renderia mais seis óperas, dentre elas Norma) e um dos marcos iniciais do romantismo na ópera italiana.

Fabrizio dela Seta, em seu ensaio “La Primera Ópera Romántica”, publicado pelo Teatro Real de Madri, é taxativo: “De ninguna otra ópera más que de Il Pirata se puede decir, sin temor a equivocarse, que se trata del primer ejemplo de melodrama romántico italiano.” Ele lembra que Guillaume Tell, a grand-opéra romântica de Rossini, data de 1829, dois anos depois de Il Pirata. Der Freischütz, de Carl Maria von Weber, contudo, já havia estreado em Berlim seis anos antes.

Domenico De Meo confirma o caráter inovador da obra, “che nel 1827 sarebbe stato effettivamente accolto alla Scala come una novità, tanto da essere in seguito unanimemente ritenuto il manifesto del melodramma romantico italiano.”

Se não for a primeira, Il Pirata é uma das primeiras óperas italianas em que o barítono (tirano poderoso) impede a realização do amor entre a soprano (uma donzela romântica frágil e atormentada) e o tenor (um herói ferido que se torna criminoso), para os quais só resta a união selada pela morte.

Colocar a obra como um dos marcos iniciais do romantismo vai além de olhar para o libreto e para o triângulo amoroso: embora ainda carregue grande influência rossiniana, musicalmente ela tem um caráter dramático inovador. Com o surgimento do tenor estilo herói em busca de vingança, veio também uma nova forma de cantar, menos virtuosística e mais passional. Ou, como resumiu dela Seta, “una declamación expresiva y apasionada en un registro medioagudo, con un timbre intenso y vibrante, un poco velado y nada enfático.”

De Meo começa seu ensaio citando, justamente, algo que, segundo a lenda, Vincenzo Bellini teria dito ao célebre tenor Giovanni Battista Rubini, criador do papel, e que, independentemente da veracidade ou não da fala, ilustra bem esse aspecto inovador:

Confessalo la vera cagione si è che la mia musica non ti garba, perché non ti lascia le consuete opportunità; ma se io mi fossi posto in capo d’introdurre un nuovo genere ed una musica, che strettissimamente esprima la parola, e del canto, e del dramma formi solo una cosa, dimmi, dovrebbe rimanere per te che io non fossi aiutato?

Embora Il Pirata ainda seja bastante ornamentada (sobretudo a linha de Imogene, a soprano), ao contrário de Rossini, Bellini não era adepto ao uso da ornamentação para mera exibição de virtuosismo. Como pode ser observado, os ornamentos sempre têm uma função dramática: eles indicam agitação, tensão, perigo, ansiedade, instabilidade mental, delírio, loucura… como ocorre com frequência com Imogene.

A estreia contou com um prestigiado trio de cantores: o tenor Giovanni Battista Rubini (Gualtiero), a soprano Henriette Méric-Lalande (Imogene) e o barítono Antonio Tamburini (Ernesto). Porém, o nome mais importante, o grande destaque, parece ter ficado com o tenor. Isso, contudo, foi mudando ao longo dos anos, sobretudo em 1958, quando Maria Callas foi Imogene no Scala. Não é sem motivo. Se do tenor são exigidos timbre intenso e grande extensão, com agudos seguros (chegando já na cavatina até o ré, um tom acima do celebrado dó de peito), as exigências da linha de soprano são enormes. O papel de Imogene é para poucas que, sem falar na dramaticidade, consigam aliar grande extensão e agilidade vocais a um competente conhecimento musical para trabalhar seus ornamentos e, sobretudo, a uma consistente técnica vocal.

Durante recente entrevista transmitida em vídeo pelo Metropolitan Opera, foi perguntado à soprano Renée Fleming qual o papel mais difícil que ela já havia cantado. Fleming respondeu que, sem dúvida, havia sido Imogene. Em entrevista ao site Presto Music**, Marina Rebeka também comenta sobre a dificuldade do papel: “Vocally Imogene is extremely difficult – not only the first aria (which is really three arias in one!), but also the trio which is almost Rossinian in the way it speeds up and up, and makes great demands in terms of speed and stamina.” 

Marina Rebeka aponta, ainda, o tratamento da ornamentação: “because we recorded the opera completely uncut, it was essential to write embellishments for the trio and also the duos with Gualtiero and Ernesto, and I spent a great deal of time on them!” Ela completa: “at the time when Bellini’s operas were written it was absolutely expected that you would vary your embellishments for every performance, and that’s why every singer was a great musician.”.

Dela Seta faz, contudo, uma crítica a esse recente protagonismo das prime donne, atribuindo-lhe uma culpa, a meu ver, injusta: “El éxito de Il Pirata ha sido obstaculizado, hasta hace algún tiempo, por el hecho de que los pocos montajes modernos de la ópera se apoyaban sobre grandísimas prime donne (Callas, Caballé), mientras que el papel del protagonista se dejaba en manos de tenores poco adecuados, si bien la parte principal es precisamente la de Gualtiero.”

A verdade é que, por maior que seja – e é imensa! – a importância de Gualtiero, um Pirata sem uma Imogene competente não tem alma, perde o brilho. Enquanto Gualtiero foi o precursor de um estilo viril de tenor que se tornou o padrão do século XIX, Imogene abriu o caminho para as donzelas que enlouqueceram e padeceram por amor, como em Lucia di Lammermoor. Felizmente, para analisar o presente CD não é preciso seguir com essa discussão quanto ao protagonismo na ópera, pois tanto Marina Rebeka quanto Javier Camarena cumprem com excelência e arte as exigências de seus personagens. Aí está a grande importância e o ineditismo desse registro: pela primeira vez fica evidente, em uma gravação, o duplo protagonismo, não há uma parte mais fraca.

A versão de Romani é baseada no mélodrame em três atos Bertram, ou Le Pirate, de M. Raimond (pseudônimo de Isidore J. S. Taylor)***, que estreou com grande sucesso em Paris, em novembro de 1822. O melodrama, por sua vez, foi baseado na tragédia em cinco atos Bertram, ou Le Chateau de St. Aldobrand (1821), uma tradução livre de Isidore J. S. Taylor e Charles Nodier a partir do original em inglês Bertram, or the Castle of St. Aldobrand (1816), do reverendo irlandês Charles Robert Maturin. Pelas inúmeras versões e traduções já é possível concluir que a trama, um drama gótico, estava afinada com o gosto da época.

Tanto Maturin quanto Romani começam suas obras com um típico quadro gótico: tempestade, mar revolto, embarcação naufragando. Na ópera, a música agitada, com dueto entre um solista e o coro a respeito da sorte dos náufragos, antecipa o início de Otello, de Verdi, que viria a estrear no mesmo teatro sessenta anos mais tarde.

Da tragédia original para a ópera houve diversas alterações tanto da trama quanto do caráter dos personagens. Boa parte dessas alterações já consta no melodrama. A primeira delas, reduzindo o tom clerical da obra original, é a substituição de religiosos do mosteiro de Santo Anselmo e seu prior por pescadores e um eremita, Il Solitario, que habita as ruínas do antigo mosteiro (outra imagem bem gótica). As mais significativas alterações, contudo, são as operadas no trio de personagens principais, que na ópera recebem os nomes de Gualtiero, Imogene e Ernesto.

Gualtiero é o primeiro a aparecer. Antigo nobre, outrora o favorito do rei, teve que se exilar após a tomada do poder pelo Conde de Caldara, seu rival. Nas versões anteriores, seu nome é Bertram. É possível que a escolha do nome usado na ópera venha da popularidade de Gautier, o ator que interpretou Bertram no melodrama em Paris. Na ópera, sua voz é logo reconhecida pelo Solitario, ao qual Romani deu o nome de Goffredo, antigo tutor de Gualtiero. Já nas versões anteriores, Bertram não é reconhecido pelo religioso, precisa se identificar. Essa alteração é interessante, uma vez que, ao contrário de Goffredo, Imogene não reconhece a voz de Gualtiero, gerando sua primeira contrariedade.

Diante de Goffredo, Gualtiero expressa sua sede de vingança, mas logo pergunta por Imogene, sua antiga amada e objeto de sua cavatina e da cabaletta; já Bertram só pensa em vingança e não toca no nome de Imogene. Tanto Gualtiero quanto Bertran são heróis feridos, que lutam internamente entre o amor e o ressentimento e apresentam comportamento impulsivo. Gualtiero ameaça matar o filho de Imogene, Bertram não; Gualtiero e o Bertram do melodrama ameaçam Imogene e seu filho caso ela não aceite se encontrar com ele; o Bertram original não precisa fazer a ameaça.

Conforme já mencionado, no CD Gualtiero é vivido pelo tenor mexicano Javier Camarena, e é difícil imaginar um tenor mais adequado ao papel que ele. Logo em Nel furor delle tempeste, sua cavatina, onde o ritmo de polonaise do destemido pirata que enfrentou a tempestade tendo diante de si a imagem da amada se alterna com uma linha mais lírica ao pensar em Imogene como um anjo celeste conselheiro de virtude, Camarena, com seu timbre brilhante, já responde muito bem musicalmente e demonstra a dualidade de seu personagem.

Do original para a ópera, passando pelo melodrama, Imogene foi cristianizada, moralizada e vitimizada. Não que a Imogene original não fosse cristã o suficiente: ao contrário, ela sentiu, com toda a força, o peso da culpa a ponto de enlouquecer. Porém, encontrou-se com Bertram em uma caverna, no bosque, e traiu o marido. O adultério foi suprimido no melodrama e, consequentemente, na ópera, o que é uma pena, pois o encontro se dá à noite, às escuras, e Imogene comenta detestar a luz. Se mantido, o encontro noturno desse amor impossível teria sido um interessante precursor de Tristan und Isolde!

Na ópera, Imogene foi obrigada a se casar com Ernesto, o Conde de Caldara, porque seu pai, um preso político, estava morrendo na cadeia. No melodrama, no entanto, seu motivo foi diferente:  o pai não estava preso, mas, segundo contou para Clotilde (que na ópera ganhou o nome de Adele), sua família estava padecendo sob a vergonha da indigência, passando necessidade, e ela ouvia os gritos do pai (que não parecia ter condições sociais para estar envolvido com disputas políticas).

E não para por aí. Na ópera, Ernesto, um frio e desconfiado tirano, obrigou Imogene a se casar ciente de seu amor por Gualtiero. “Quando al padre io fui rapita / Quest’amor non era arcano: / Tu volesti la mia mano / né curasti avere il cor”, diz-lhe Imogene no impactante dueto do segundo ato. No melodrama, no entanto, a situação é bem diferente: o Conde Aldini de Caldara, um terno e bom marido, não a obrigou a nada, ela se casou por livre e espontânea vontade (para resolver o problema financeiro da família), ele não sabia de seu passado, de sua relação com Bertram e nunca duvidou do amor e da fidelidade da esposa. Em resumo, foi mais vítima que vilão.

Na referida entrevista à Presto Music, Marina Rebeka observa que Imogene e Norma, essas duas heroínas bellinianas que ela interpreta com tamanha propriedade e canta com tamanha técnica, não podiam ser mais diferentes. Segundo Rebeka, “Norma is a tough, intimidating female leader (…), whereas Imogene is the total opposite: she has very little agency, nobody really loves her, and she becomes a pawn or bargaining-chip for two men who want to use her to hurt one another.”

Rebeka também ressalta a relação de Imogene com o filho, que representa o trauma por ter sido violada por um homem que ela odeia. “It’s significant that she can’t even bring herself to call her child a name: she always refers to him as ‘the innocent’, which is her way of absolving him of the terrible crime she feels she’s committed in conceiving him”, afirma Rebeka.

De fato, quando o filho aparece pela primeira vez, Imogene está diante de Gualtiero. Ela diz “figlio mio” e suplica a Gualtiero que tenha piedade da criança. Contudo, após Gualtiero, com lágrimas nos olhos, devolver-lhe o filho como símbolo de seu desastroso casamento e de sua traição, Imogene passa a se referir à criança como l’innocente ou “il figlio”, sem o “mio” (como filho de Ernesto). Na tragédia original (não no melodrama), ela mata o filho. Desse modo, Imogene percorre o caminho inverso ao de Norma, que primeiramente pensou em matar os filhos, mas, no fim da ópera, antes de morrer, ao se reconciliar com Pollione, os assumiu publicamente e viu neles sua única preocupação. Até nisso Norma e Imogene não podiam ser mais diferentes.

Uma interessante inovação do libreto em relação ao melodrama está nas cavatinas tanto de Gualtiero quanto de Imogene. Gualtiero, conforme já apontado, refere-se à imagem da amada como um anjo celeste. Imogene, em sua cavatina Lo sognai ferito, narra um sonho que teve com Gualtiero. Essas imagens premonitórias, sejam elas sonhos, delírios ou meros retratos, são bastante caras ao romantismo e frequentam as óperas pelo menos desde Léonore de Gaveaux e Fidelio.

Nessa primeira cena, que segundo Marina Rebeka vale por três, já fica absolutamente evidente o envolvimento de Rebeka com a personagem, bem como sua tremenda qualidade técnica. Na cavatina narrando o sonho com Gualtiero, aliada a um belo legato, ouve-se uma interpretação tocante, onde cada palavra ganha força. Um exemplo? A forma como ela canta “sospiro”, primeiro com um ornamento perfeito, depois com um calculado filete de ar. Na cabaletta, é notória a alteração da ornamentação na repetição. Essa diferenciação tem um efeito global, mas podemos tomar dois detalhes como exemplo. Após “o tormento del mio cor”, na primeira vez Rebeka faz a coloratura seguindo uma linha que é ascendente na primeira parte e depois torna-se descendente.  Na repetição, ela faz o oposto. Em “Ah, sarai, finch’io respiro”, ela faz legato na primeira vez e, na repetição, um staccato repleto de significado interpretativo. Uma última observação é que, no final da ária, ao cantar “del mio dolor”, ela opta por subir até o ré5, não se contentando, felizmente, em descer para o ré4, como é normalmente feito pelas intérpretes, com as honrosas exceções de Maria Callas e Renée Fleming, ambas em gravações realizadas ao vivo. Um verdadeiro deleite para os amantes de bel canto!

Para Charles Osborn, autor do livro Bel Canto Operas of Rossini, Donizetti, and Bellini, “The duet, ‘Tu sciagurato!’, for Imogene and Gualtiero is one of the finest numbers in the opera, with Gualtiero’s reaction to the story of Imogene’s forced marriage (‘Pietosa al padre’) especially affecting.” Após Imogene, com as coloraturas indicando sua agitação e ansiedade, alertar Gualtiero que deve fugir, pois está na corte de Ernesto (“Tu sciagurato! Ah! Fuggi…/ Questa d’Ernesto è corte.”), Gualtiero rebate com um seco e silábico “Lo so”. Seus ornamentos, contudo, chegam quando pergunta a Imogene sobre sua ligação com Ernesto, uma dúvida pior que a morte. Sem exageros, com bom gosto, Camarena e Rebeka, cujas vozes combinaram perfeitamente, transmitem a crescente dramaticidade presente não só no libreto, mas também na música. É tocante a serenidade sombria como Rebeka ataca sua linha “Ah! tu d’un padre antico,/ Tu non tremasti accanto”, sem deixar dúvidas quanto à fragilidade física e emocional Imogene, mesmo após ter sido atingida pela impetuosa acusação “Perfida! Hai colmo appieno De’ mali miei l’orror”.

Analisando o recitativo que precede esse dueto, De Meo, ressalta que “l’inserimento in esso di ampi periodi di cantabilità è una caratteristica del miglior Bellini, destinata a essere sviluppata ulteriormente nelle opere successive.” Ele completa, apontando outra importante inovação trazida pela obra: “Già fin dal Pirata il compositore aveva compreso che il dramma è tale nella sua unità e bisognava impedire che l’attenzione del pubblico si concentrasse solo sui singoli pezzi chiusi. Da qui nasce la scelta di Bellini di eliminare i recitativi secchi. E da qui nasce soprattutto la grandissima cura che profuse nella composizione dei recitativi con l’inserimento di frasi melodiche, che ne esaltano la pregnanza e spesso l’immenso fascino.”

Outro grande momento musical é o “quinteto” Parlarti ancor per poco, que na verdade é um sexteto com coro, quando Gualtiero diz a Imogene que quer se encontrar com ela uma última vez antes de partir. Para De Meo, “annoverato tra le grandi creazioni belliniane, «un vero complesso di scienza musicale», secondo quanto scrisse all’epoca il critico de «I Teatri» il 2 novembre 1827.” Com um constante pizzicato dos contrabaixos e violoncelos (que na segunda parte aumenta de velocidade), o sexteto é encabeçado por Gualtiero e Imogene. Tenor e soprano precisam cantar com leveza para não serem ouvidos por Ernesto que, a poucos passos, sente, de forma entrecortada como os pizzicati, nascer uma suspeita em seu coração. De forma sutil, Camarena altera sua articulação da primeira parte da estrofe, quando faz o convite do encontro, para a segunda, com a ameaça (“Se tu ricusi… per te, deh, trema… Per te, per lui, per figlio…”). Marina Rebeka usa predominantemente a voz de cabeça e um pouco de ar para expressar, lindamente, sua súplica e sua angústia.   

A influência de Bellini sobre Donizetti é um fato conhecido. Em Il Pirata, há diversos momentos que antecipam Donizetti. Um deles está pouco antes do sexteto, quando Ernesto interroga os piratas e, desconfiado, resolve prendê-los: “Finchè meglio a me dimostro Non è il nome e l’esser vostro, In Caldora resterete Rispettati prigionier.” A música faz lembrar bastante L’Elisir d’Amore (1832).

Outro momento vem no segundo ato, em Tu vedrai la sventurata, o belo e triste larghetto de Gualtiero, que Camarena canta de forma inspirada. Após “Sul mio sasso a lagrimar”, sempre penso que o tenor vai emendar “o bell alma innamorata…”, como no fim de Lucia di Lammermoor (1835). Pouco adiante, o solo do corne inglês que introduz a cena final de Imogene, que comentaremos logo adiante, começa de forma muito semelhante àquela que viria a ser usada por Donizetti em sua célebre “Una furtiva lagrima”, no Elisir.

Embora Bellini não tenha sido tão inspirado na cena de Ernesto, o barítono que Romani transformou em vilão, seu personagem ganha destaque não só no sexteto, mas principalmente no segundo ato, no dueto com Imogene e no trio. Foi aí que Franco Vassallo teve a oportunidade de mostrar suas qualidades vocais, fechando um trio de altíssimo nível. Na entrevista à Presto Music, Vassallo explica que “with Ernesto in Pirata we find a dramatic baritone of agility, a very rare category in opera.”

A cena final é uma pequena joia dentro da ópera, à qual Marina Rebeka fez justiça. Certamente é essa cena a culpada por o finaletto, onde Gualtiero se atira da ponte, ter sido abandonado (mas não neste CD).  A cena começa com um solo muito semelhante ao de Tuba Mirium do Requiem de Mozart, a trombeta que espalha seu som pela região dos sepulcros.

Na entrevista à Preto Music Rebeka lembrou que no CD Spirito, lançado em 2018, ela já havia gravado essa cena e que, como manda o figurino, não cantou do mesmo jeito, mudou a ornamentação. A diferença, contudo, vai muito além da ornamentação e pode ser sentida desde a primeira nota do recitativo. Logo no “oh!” de “Oh! s’io potessi dissipar le nubi”, ela trocou a (linda) messa di voce do CD de 2018 por um ataque em crescendo, mais dramático, mais contundente. Todo o recitativo, aliás, é muito mais dramático neste lançamento de 2021: Rebeka usa mais, e de forma eficiente, o peso de sua voz, além de ter conferido maior força às palavras. Provavelmente esse ganho em dramaticidade seja resultado de um maior envolvimento com a personagem que a acompanhou durante toda a gravação.

Algo parecido ocorre no belo cantabile Col sorriso d’innocenza, onde Imogene roga ao “inocente” que implore ao pai por ela, e na cabalettaOh! Sole! ti vela”, que encerra a cena. A introdução do cantabile, com solo de flauta (que aqui ganha uma interessante interpretação, que foge do protocolar), faz lembrar bastante outra prece de Bellini e Romani que faria sucesso quatro anos mais tarde: “Casta Diva”. Chama a atenção o legato de Rebeka, já presente na gravação de 2018. Quanto à ornamentação, uma diferença digna de nota é o belo diminuendo no primeiro “genitor” até chegar ao pianíssimo, presente na nova gravação.

Os cantores coprimários também merecem ser citados. A dramaticidade de Sonia Fortunato no papel de Adele, bem como o canto claro e preciso de Antonio Di Matteo e de Gustavo De Gennaro, respectivamente como Goffredo e Itulbo, contribuíram para o ótimo resultado.

Fundamental, também, foi o papel da orquestra e do coro do Teatro Massimo Bellini di Catania, com especial destaque para os solistas de corne inglês e flauta, cujos nomes lamentavelmente não foram citados no encarte. Merece aplausos, ainda, a regência do maestro Fabrizio Maria Carminati.

Encerro meu texto com um sonho: o de ver ao vivo um Il Pirata com Marina Rebeka e Javier Camarena!

*O pdf do encarte do CD pode ser baixado no site da Prima Classic, onde também há o link para ouvir a ópera nas principais plataformas de streaming: https://primaclassic.com/il-pirata/

** A entrevista concedida por Marina Rebeka e Franco Vassallo ao Presto Music está disponível em: https://www.prestomusic.com/classical/articles/4302–interview-marina-rebeka-and-franco-vassallo-on-il-pirata

*** O mélodrame em francês pode ser lido através do link https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=hvd.hnxjpp&view=1up&seq=7&skin=2021

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