La Bohème, a ópera comovente de Puccini, estreou em Turim há exatos 120 anos e ainda hoje, quando apresentada com amor e poesia, arranca lágrimas da plateia. A ópera conta a história de jovens idealistas, que se viram com o poucos recursos e vivem em busca do amor e da arte. Os jovens vivem no Quartier Latin, em Paris, bairro dos estudantes e da Sorbonne. Não poderia ser mais feliz a escolha do título para que os vencedores da edição 2016 do Concurso Brasileiro de Canto ‘Maria Callas’ viessem se apresentar ao público paulista. Sob a direção cênica de Paulo Esper, um apaixonado por ópera e pelo Concurso Maria Callas, a produção foi eficiente, simples, singela, como é, na essência, La Bohème. Um único cenário mudou de posição, foi invertido, virado do avesso, transformando-se em três cenários diferentes. Sem pompa, o cenário continha os elementos essenciais.

Rodolfo, o jovem poeta, que na sua alegre pobreza ostenta, “como um grande senhor, rimas e hinos de amor” e tem a alma milionária de “sonhos, de quimeras e de castelos no ar”, na noite de 26 de julho, no Theatro São Pedro, foi interpretado pelo experiente tenor Marcello Vannucci, solista convidado. Rodolfo  apaixona-se por Mimi, a vizinha doente, tranquila e alegre, cuja arte é bordar e o passatempo é fazer lírios e rosas que, para a sua tristeza, não têm aroma. Ela gosta daquelas coisas “que têm uma doce magia, que falam de amor, de primavera, de sonhos e de quimeras, essas coisas que chamam poesia…” Mimi vive solitária, mas quando a neve derrete, é seu o primeiro sol, o primeiro beijo de abril. Simplória, não sabe nem por que a chamam de Mimi.

No dia 26, da Mimi interpretada pela soprano Jayana Paiva veio um sopro de primavera para o canto lírico brasileiro. Com timbre aveludado e voz encorpada inclusive nos agudos, consistentes e afinados, é uma cantora com bela voz e futuro promissor. Apesar de, no início, ter apresentado um fraseado um pouco truncado — em “Mi chiamano Mimi” dava a impressão de que ela estava esperando o maestro e ele a estava esperando — Paiva foi adquirindo segurança ao longo da ópera e deixando-se levar pela música.

O barítono Johnny França, que, com sua voz segura e limpa, já havia sido a grande revelação em Adriana Lecouvreur, em abril, também no São Pedro, brilhou mais uma vez como Marcello, amigo de Rodolfo. Artista plástico, Marcello é apaixonado pela boa Musetta, muito bem interpretada por Natália Aurea, que quando anda pelas ruas é olhada da cabeça aos pés, saboreia o desejo sutil que transborda dos olhos dos homens e se sente feliz.

Do fosso é que vieram alguns problemas. Sob a regência de Henrique Villas-Boas, a Orquestra Filarmônica de São Caetano do Sul, embora não tenha comprometido a apresentação como um todo, parece ter sido um fator de insegurança para os cantores e mostrou que ainda terá que trabalhar para atingir a coesão e a dinâmica desejadas. Porém, é sempre bom ver orquestras novas e com perspectiva de crescer associadas a projetos artísticos que, como o Concurso Maria Callas, contribuam com o desenvolvimento da cena musical brasileira.

É comum, em La Bohème, algumas pessoas medirem o sucesso da apresentação pela quantidade de lágrimas produzidas. Quando o resultado não é satisfatório, ouve-se o incontestável veredicto “nem chorei”. No São Pedro, atestando o sucesso dos novos cantores, uma amiga disse estar com vontade de “chorar alto”. Se as lágrimas dependem da performance, não é apenas o libretto, a morte da pobre Mimi e a dor de Rodolfo, que causam a comoção. Certamente a música tem um papel fundamental nesse efeito. Embora a música escrita por Puccini seja sempre a mesma, ela ganha vida e identidade, deixa de ser partitura e torna-se realmente música, através dos músicos que estão, a cada récita, no palco e no fosso. É quando o espírito de amor e poesia presente nos jovens personagens de La Bohème contagia com sinceridade cantores e orquestra que o sentimento causado pelos obstáculos enfrentados por quem sonha atinge o público. Nesse sentido, além de bem sucedidos os artistas da noite foram autênticos, verdadeiros.

Como em La Bohème, a vida desses novos Rodolfos, Marcellos, Musettas e Mimis que estão ingressando na carreira lírica terá momentos de pura poesia, mas também enfrentará obstáculos e a vontade de “chorar alto”. Desejamos a eles muitas flores, muitos raios de sol, muita poesia. Mas também que haja trabalho e reconhecimento.

 

 

 

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