“De quando em quando aparecem em nossas paragens uns tipos que nos fazem sentir um tremor na alma sempre que nos lembramos deles, por mais que o tempo tenha passado desde o nosso último encontro. E um desses tipos é Catierina Lvovna Izmáilova, mulher de um comerciante, outrora protagonista de um terrível drama, após o qual nossa nobreza, usando uma expressão bem apropriada, passou a chamá-la ‘Lady Macbeth do distrito de Mtzensk’” (Nilolai Leskov. Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk, tradução de Paulo Bezerra. Ed. 34).
Logo no primeiro parágrafo, transcrito acima, o escritor russo Nikolai Semeónovitch Leskov (1831-1895) já explica o título de sua obra, publicada em 1865 na revista Epokha, dirigida por Dostroiévski.
O pai de Leskov era funcionário público mas, quando o filho tinha 8 anos, resolver abandonar o emprego e mudou-se com a família para o campo. Foi aí que Leskov teve contato com o camponês russo e a linguagem popular, conhecimento que, mais tarde, viria a empregar com maestria em sua obra, em particular em Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk. Como salienta Paulo Bezerra no posfácio de sua tradução para a Editora 34, para Leskov não interessava estudar o povo, mas vivê-lo. O que empregou em sua obra, portanto, foi um conhecimento autêntico de várias camadas sociais do povo russo, e não um estudo distante, feito de alguém de fora, sobre a vida desse povo. Talvez seja nessa autenticidade quase fria que, mesmo através de uma tradução, resida a força da narrativa de Lady Macbeth.
Embora não seja baseada em um acontecimento real, o surgimento da obra, segundo o autor, foi motivado por um episódio ocorrido em sua infância. Em trecho de Memórias de Infância citado por Bezerra, Leskov conta que “Certa vez um velhote vizinho, que ‘vivia demais’ com seus setenta anos, foi descansar debaixo de uma groselheira num dia de verão, e a impaciente nora lhe despejou lacre fervente no ouvido… Lembro-me do enterro dele… A orelha desprendeu-se… Depois um carrasco a torturou na praça. Ela era jovem, e todos se admiraram de sua brancura.”
Foi após comprar, em 1930, a edição de 1923 da Lady Macbeth de Leskov ilustrada por Borís Kustódiev (1878-1927), que o compositor Dmítri Dmítrievitch Chostakóvitch (1906-1975) a levou para os palcos em forma de ópera tragicômica. Suspeita-se, inclusive, que Shostakóvitch tenha tido acesso, na casa de Kustódiev, a desenhos — não publicados e destruídos após a morte do pintor — que retratavam as cenas eróticas do romance. Esses desenhos, segundo essa teoria, teriam inspirado um tom erótico na ópera de Chostakóvitch.
O livro e a ópera contam a história de Catierina Lvovna Izmáilova, de origem pobre, mas que conseguiu melhorar de situação após se casar com o comerciante Zinóvi Boríssitch Izmáilov. O casal morava na casa de Borís Timofiêitch Izmáilov, pai do comerciante. O casal já estava junto havia cinco anos mas não tinha filhos, e a falta de um herdeiro desagradava pai e filho. Leskov nos conta que Zimóvi Boríssitch já havia sido casado por vinte anos e enviuvado sem ter tido filhos também no primeiro casamento. Chostakóvitch não dá essa informação, mas ao longo da ópera pinta Zimóvi como um patético personagem de comédia pastelão e impotente. Catierina chega a afirmar ao sogro que o marido não é capaz de por um filho em seu ventre — e na orquestra, um glissando escrachado não deixa dúvidas quanto à causa de ela não ter engravidado. Catierina também sentia falta de um filho, inclusive porque sua vida era vazia, tediosa. “Era maçante a vida que Catierina Lvovna ia vivendo na casa rica do sogro durante os cinco anos redondos ao lado de um marido seco”, escreveu Leskov.
A ópera enfatiza esse tédio. Começa com Catierina tentando, em vão, dormir de novo, por falta do que fazer, após ter dormido a noite inteira e tomado chá, de manhã, com o marido. Em um belo e lírico lamento, reclama de sua vida tediosa, pior do que a vida que levava quando era pobre, e diz:
“A formiga carrega a palha,
a vaca dá leite,
os peões armazenam farinha,
só eu não tenho nada a fazer,
só eu fico angustiada, solitária …”
“Na sexta primavera do casamento de Catierina Lvovna rompeu-se a barragem do moinho dos Izmáilov”, escreve Leskov. Zinóvi Boríssitch “não arredou pé de lá; o velho tocava sozinho os negócios na cidade e Catierina Lvovna ficava em casa enlanguescendo, sozinha, sozinha.” No livro, não aparece a despedida do comerciante. Na ópera, Borís Timofiêitch, que demonstra bem mais autoritarismo e crueldade que no livro, faz o filho cobrar da nora uma digna despedida (de joelhos) e um juramento de fidelidade. Além disso, apesar de com tais comandos humilhar o filho na frente de todos, ordena que os empregados demonstrem pesar pela partida do patrão. Resultado: no libretto, um pesaroso e pouco sincero lamento
“Sem o patrão vai ser chato, chato, uma angústia, uma tristeza.
Sem você, a casa não é casa, o trabalho não é trabalho…
Sem você, a alegria não é alegria!
Volte o mais rápido que puder”.
Na música, uma feliz valsa. A encenação de Dmitry Bertman transmite com precisão a ironia do episódio.
É interessante, aqui, um sermão que Catierina passa nos empregados que faltavam com o respeito a Akcínia:
“Então a mulher existe só para fazê-los rir?
Vocês, homens, fantasiam muito consigo mesmos. Acham que só vocês são fortes, valentes, inteligentes? Não sabem que, às vezes, a mulher alimenta a família inteira? Que mulheres por vezes derrotam o inimigo no guerra? Às vezes, as mulheres sacrificam a vida pelos maridos e pelos queridos, mas vocês não ligam para isso.”
Musicalmente, em vez de uma bronca o que se ouve é um canto sedutor: a mulher, exaltada por Chostakóvitch, age com habilidade e não com fúria. Até nos crimes que Catierina viria a cometer por seu querido amante, sua ação será calculada, e não impetuosa.
Numa noite em que o velho Borís havia saído e Catierina ficou sozinha em casa, lamentou-se, em melodia lírica e extensa. de sua soludáo. Mais que isso, de sua carência sexual:
“O potro trota para a égua,
o gatinho procura a gatinha,
o pombo vai voando atrás da pomba,
só atrás de mim ninguém corre.”
Foi aí que Serguiêi bateu na porta de seu quarto. Ele dizendo-se entendiado, queria um livro para ler. Ela lhe respondeu que também não possuía sequer um livro (na ópera declarou-se analfabeta) e queixou-se do tédio e da solidão. É aí que o romance entre eles começa. No livro, Catierina mais finge resistir do que, de fato, resiste a Serguiêi. Na ópera ela, de fato, luta um pouco contra a investida do sedutor. Na produção da Helikon, quem oferece resistência a Serguiêi é um cadeado posto por Borís para trancar Catierina. O primeiro encontro do casal resulta em uma cena se sexo (musicalmente) violenta, na qual a música é praticamente descritiva e se conclui com o famoso e polêmico glissando dos trombones.
Catierina e Serguiêi tornaram-se amantes. Numa noite de insônia, porém, o velho Borís viu Serguiêi descendo pela coluna próxima à janela da nora. No livro, ele açoitou o empregado e o prendeu na dispensa, prometendo continuar os açoites no dia seguinte. Na ópera (segundo ato) o episódio é um pouco mais apimentado. Em primeiro lugar, Borís aparece, antes do flagrante, lamentando a velhice e diz que o filho não é como ele:
“não consegue satisfazer nem a esposa.
Se eu tivesse a idade dele! Daí eu… é! Eu a pegaria e … he he he!”
Depois que descobre Serguiêi, obriga Catierina a assistir aos açoites. Na orquestra, ecos do ato sexual entre os amantes. Ópera e livro se reencontram quando, para se ver livre de Borís e soltar Serguiêi, Catierina coloca veneno de rato em sua sopa de cogumelos. Na ópera (e não no livro) Borís pede que chamem um sacerdote. Nesse momento Chostakóvitch tem a oportunidade de brincar com a Igreja Ortodoxa e a produção da Helikon não deixou dúvidas da situação.
Após a morte de Borís, Serguiêi manifesta desconforto com a ideia de que Zinóvi regressará e ele terá de ver Catierina novamente com o marido. Ela diz que isso não ocorrerá. Como Macbeth após mandar matar Banquo, Catierina, na ópera, vê o fantasma do sogro e se aterroriza. No livro, em vez de fantasma, ela é importunada por um misterioso gato que passeia de forma sensual por seu corpo. Assustada por esses fenômenos sobrenaturais (ou imaginários, derivados da culpa), Catierina estava acordada quando ouviu, no meio da noite, um ruído que logo identificou como sendo o marido que estava de volta. Acordou Serguiêi, que se escondeu. O marido entra no quarto. Eles discutem, ele já teve notícias de que a esposa tem um amante. Catierina chama Serguiêi e, no livro, “caiu na risada e deu um beijo apaixonado em Serguiêi na frente do marido”. A partir desse momento tem início uma luta corporal entre os três que termina com Catierina golpeando a cabeça de Zinóvi com um candelabro e ordenando a Serguiêi que apertasse bem a garganta do agonizante. Na ópera, o golpe é atribuído a Serguiêi. Zinóvi pede que chamem um padre, mas não é atendido. “Pois bem, agora tu és um comerciante”, disse Catierina a Serguiêi, que nada respondeu. “Os lábios de Serguiêi tremiam… Só os lábios de Catierina Lvovna estavam frios”, escreve Leskov.
Serguiêi: Ilumine, Cátia!
Catierina: Rápido, mais rápido!
Serguiêi: Acabo já. É tudo… Acabei!
Além de ideia de extremo mau gosto, o ato sexual como pano de fundo para o esse diálogo é machista e tira toda a força da personagem de Catierina. Ela estava, de fato, imersa em um ambiente machista, mas lutou contra isso a ponto de cometer dois assassinatos. Em sua relação com Serguiêi ela buscava amor e carinho e ele, até então, estava representando bem esse papel. Não faria sentido matar o marido para se entregar a um homem que usasse seu corpo como mero objeto de prazer enquanto ela, impacientemente, esperasse que ele terminasse logo o ‘serviço’. O sexo aí também contradiz a música, que é discreta, de suspense, parece música de filme de detetive: uma marcha como que descrevendo passos.
No livro, dois dias depois Serguiêi o enterra em uma cova bem profunda e impossível de ser descoberta. Já na ópera o corpo fica na adega, onde será descoberto por um camponês maltrapilho que entrou na festa de casamento de Catierina e Serguiêi. No livro, os criminosos serão descobertos ao cometerem um terceiro e terrível delito. Quando setava tudo aparentemente resolvido, Catierina estava cuidando dos negócios com Serguiêi ao seu lado, surge Fiódor Zakhárov, sobrinho menos de idade do sogro morto e também herdeiro dos bens de Borís. Catierina e Serguiêi deveriam, portanto, dividir com ele seus bens. Serguiêi argumenta que com a diminuição dos bens não terão mais “aquela felicidade”. Catierina, com a ajuda de Serguiêi, sufocando a criança com um travesseiro. Dessa vez, porém, são pegos em flagrante.
Como já foi observado, a morte da criança não foi incluída na ópera. “O assassinato de uma criança, independente da explicação dada, sempre causa uma impressão negativa”, justifica Chostakóvitch. Embora a obra de Leskov seja a fonte, Chostakóvitch tem uma visão diferente de Catierina. Para ele, ela é uma vítima da sociedade machista, conservadora, repressora. Em artigo citado por Lauro Machado Coelho em seu excelente livro sobre o compositor, Chostakóvitch explica: “Leskov apresenta Catierina como uma personagem demoníaca e não encontra nenhum motivo para justificá-la… Quanto a mim, senti Catierina como uma mulher enérgica, talentosa e bela, que se consome dentro do círculo familiar desumano de mercadores.” É notório como é justificado, ao longo da ópera, seu comportamento. Apenas ela tem linhas melódicas líricas e mais longas. Apenas suas ‘árias’ possuem um desenvolvimento melódico. Já o sogro e o marido são personagens caricatos, grosseiros, incapazes de qualquer sensibilidade, de desenvolver uma melodia sequer. No livro, Zinóvi é qualificado como “seco” e Borís nos faz lembrar de nossos coronéis, mas sem a personalidade doentia do personagem de Chostakóvitch. Na ópera, enquanto o marido é patético a ponto de ser digno de pena, o sogro provoca asco. A personalidade se Serguiêi foi pouco alterada do livro para a ópera. É o aproveitador, dissimulado, que já havia sido despedido do emprego anterior por ter se envolvido “com a própria patroa”. Seu objetivo é seduzir mulheres de um nível social mais alto para obter vantagens. Portanto, nem com Serguiêi Catierina é realmente amada e respeitada — e nesse ponto Chostakóvitch e Leskov estão de acordo. Com elenco uniforme, entrosado e de bom nível, montagem à parte a equipe da Helikon transmitiu com eficiência as características essenciais de cada personalidade.
Quando, na ópera, o casal é denunciado pelo camponês maltrapilho, a polícia entra em cena e aparece de forma satírica e bastante depreciativa, como corrupta e decadente. O inspetor — e há quem diga que qualquer semelhança entre ele e Stálin não é mera coincidência — lembra da antiguidade e da importância da polícia, que em retribuição aos padecimentos só recebem mais padecimentos, que os “vencimentos são modestos, e pegar propina é muito difícil”. E continua
“Por isso o inspetor vela à noite,por isso mantém um olhar terrível,
para incutir medo aos niilistas, para manter a decência por toda parte.”
Quando menciona o banquete de casamento que está ocorrendo na casa de Catierina, queixa-se de não ter sido convidado:
“Vou fazê-la se lembrar o que é se casar sem a chefia.
(…)
Se apenas tivesse um motivo! Se bem que um motivo sempre se acha.”
Referência à polícia dos tsares, do tempo de Leskov? À soviética, do tempo de Chostakóvitch? Ao próprio Stálin?
A polícia é representada com eficiência pela Helikon e foi muito feliz a ideia de a polícia aparecer na festa de casamento por trás das grades. O mesmo, porém, não pode ser dito em relação ao camponês maltrapilho. De bêbado simples, ingênuo e faminto, figura bem popular que vai dar uma espiadinha na adega para ver se arruma uma garrafa de vodca, foi transformado em um cantor de rock tatuado, supostamente drogado.
Após serem presos, Catierina e Serguiêi são levados para a Sibéria junto com outros condenados. Lá, enquanto ela suborna policiais para poder passar algumas horas com Serguiêi, ele a rejeita e se envolve com Sonia — chamada Sónietka (Soninha). Chega até a enganar Catierina, tirando suas meias de lã para as entregar a Sonia. Catierina vira motivo de chacota. No fim, atira Sonia no rio, atirando-se em seguida.
Nesse último ato, é interessante o figurino branco de Catierina, contrastando com o fundo escuro e o preto dos demais personagens. Era o vestido do casamento. Em suas mãos, luvas vermelhas, simbolizando as mãos ainda sujas de sangue. Já Sónietka, que pretendia tomar o lugar de Catierina ao lado de Serguiêi, estava com o vestido de veludo vermelho que Catierina usou nos dois atos iniciais. A direção cênica peca, porém, em vários aspectos. Quando Catierina está cantando sua bela e trágica ária final
“No mais profundo do bosque existe um lago, bem redondo, muito profundo. E sua água é negra, como minha consciência, negra.”
surge um bebê de plástico simbolizando o seu filho com Serguiêi, mencionado no livro, mas não na ópera. Depois, o boneco aparece aos pedaços, no chão. Oras, se Chostakóvitch optou suprimir a morte da criança pelas razões acima expostas, o que pensaria do esquartejamento de um filho recém nascido? No fim, quando Catierina atira Sónietka na água, não fica claro. O que se vê é que Sónietka, em pé, no meio do palco, solta um grito. A impressão que se tem é de que é um grito de horror ao ver o bebê esquartejado, no chão. Só depois que um esfumaçado no palco e a iluminação dão a sensação de que a cena, agora, se passa embaixo d’água.
Vladimir Ponkin, diretor da Helikon, regeu, com seus gestos amplos. a Orquestra Sinfônica Municipal. Em uma de suas grandes performances, a orquestra cumpriu seu complexo e decisivo papel para êxito do espetáculo. Ocupou o seu lugar de destaque durante toda a ópera. Teria sido até louvável, em muitos momentos, que a cena tivesse sido mais limpa e leve para não ofuscar o que estava sendo ‘dito’ pela orquestra. O trabalho do coro também merece aplausos.
Quanto à produção, as limitações financeiras da Helikon, que não tem mais um teatro de ópera e faz produções fáceis de serem montadas e transportadas, impuseram um único cenário que sofre poucas modificações durante toda a ópera. O problema é que esse cenário é escuro, monótono e deixa o fundo do palco aberto demais, causando alguns problemas de acústica. Sobre o preto qualquer luz se apaga. O fundo preto fez com que o trabalho de luz fosse praticamente inócuo.
Com defeitos e méritos, o saldo foi bastante positivo. Pouquíssimo encemada no Brasil, Lady Macbeth teve uma montagem em Manaus em 2007 e agora São Paulo recebeu a produção da Helikon. Foi uma ótima oportunidade para desfrutar dessa obra prima do século XX.
O programa vendido no teatro traz o libretto traduzido por Irineu Franco Perpétuo, especialista no assunto. Foi trechos dessa tradução que usamos acima. Chama a atenção, na tradução de Perpétuo, o caráter coloquial do libretto — que tem origem, aliás, nos diálogos da obra de Leskov. Cuidadosa, a tradução nos trouxe à luz sutilezas do libretto. Um exemplo é quando Borís se queixa da velhice. Em geral nas traduções lê-se que quando era jovem Borís também não dormia porque se ocupava das mulheres casadas. No tempo passado, a afirmação tem cara de mera nostalgia, lembranças de um jovem que tinha uma cabeça bem diferente da do velho. Na tradução de Perpétuo ficamos sabendo que ele usa o futuro do pretérito, diz que se fosse jovem também não dormiria. Essa afirmação, pouco antes de ele pedir para chamar um sacerdote para se confessar porque estava morrendo e tinha muitos pecados, levanta dúvidas quanto à sinceridade do arrependimento do pecador. As dúvidas são confirmadas quando, diante do sacerdote, em vez de falar de seus pecados ele denuncia o de Catierina. Uma sutileza do libretto ressalta a hipocrisia de uma religiosidade superficial, fundada no medo e nas aparências.
Após sua estreia em 1934, Lady Macbeth do distrito de Mtzensk foi um tremendo sucesso. A festa de Chostakóvitch, porém, acabou quando, em 26 de janeiro de 1936 Stálin, acompanhado da cúpula do Partido Comunista, resolveu ir ao Bolchói ver a tão festejada ópera. Porém, não esperaram o fim do espetáculo para se retirar: o fizeram antes do último ato. O que teria causado a indignação de Stálin? O ato sexual transposto para a música, em especial o glissando no trombone? O inspetor de polícia? A própria Catierina, que não hesitou em cometer crimes em nome de seu ideal? O fato é que dois dias depois, o editorial da publicação oficial Pravda criticou ferozmente a obra e desqualificou a música de Chostakóvitch. Mais que isso, o artigo se encerrou com a ameaça de que o episódio poderia “terminar mal”, ameaça essa que pairou, por anos, sobre Chostakóvitch e fez com que ele deixasse o mundo da ópera. Lady Macbeth foi a segunda e última ópera do grande compositor russo.